Pois é, caro leitor, por incrível que pareça, perguntas como a do título desta Dica são feitas em alguns questionários. Pergunta-se sobre preferência por Londres ou Paris a quem jamais pisou na Europa; pergunta-se sobre a intenção de fazer uso de um benefício do cartão de crédito a quem não tem direito ao tal benefício; pede-se a avaliação de determinado produto ou serviço a quem nunca consumiu aquele produto ou serviço; e assim por diante.
É impossível prever que consequências esse “descuido” de elaboração das perguntas pode gerar para a pesquisa. Pode não acontecer absolutamente nada (o respondente simplesmente pula a questão e esquece o assunto), mas também podem ocorrer desdobramentos menos inofensivos. Um deles é o respondente intuir como deve responder, quando se depara com esse tipo de questão. Já vimos, em outras Dicas deste blog, o problema que é deixar esse tipo de decisão nas mãos dos respondentes.
Imagine a seguinte situação: ao término de um curso de pós-graduação, os alunos estão preenchendo um questionário de avaliação global do curso. O questionário é todo construído com base em afirmativas associadas à seguinte escala:
- Discordo totalmente
- Discordo em grade parte
- Não concordo nem discordo
- Concordo em grande parte
- Concordo totalmente
Carlos e Guilherme – dois alunos do curso – estão respondendo com o maior empenho e seriedade. Já avaliaram vários módulos, e agora chegaram ao “Módulo Abroad” – o braço internacional do curso, constituído por aulas em universidades no exterior, conveniadas com o curso. Nenhum dois cursou esse módulo opcional, e por isso não tem como avaliá-lo. O que fazem?
Carlos decide pular as questões do bloco, deixando-as sem resposta; Guilherme, por sua vez, entende que a opção “Não concordo nem discordo” retrata bem o seu caso: se ele não cursou o módulo, então não tem opinião formada a respeito; sendo assim, não pode nem concordar nem discordar das afirmativas do bloco. E assinala essa opção central como resposta a todas as perguntas do bloco. O que você acha, judicioso leitor?
Imagino que você tenha pensado: “As respostas em branco do Carlos não vão interferir na média, ao passo que as do Guilherme sim”.
É exatamente isso que se passa. Na fase de tabulação das respostas, é associado um valor a cada opção de resposta. Digamos que os valores sejam 1, 2, 3, 4 e 5, correspondentes às cinco opções, na ordem em que foram apresentadas. Ora, todas as respostas do Guilherme serão computadas como 3, certo? Se a média das respostas dos outros alunos for maior que 3, as respostas do Guilherme contribuirão para forçar a média para baixo; se for menor, as respostas ajudarão a levantá-la. É claro que “um único Guilherme” não fará grande diferença, mas, existindo “vários Guilhermes” no conjunto dos respondentes – isto é, vários alunos que pensem como ele e assinalem a opção neutra quando não tiverem como avaliar a questão tratada –, a média real, que corresponde à avaliação de quem efetivamente cursou o módulo e teria condições de avaliá-lo, poderia ficar bastante distorcida.
Esse problema, de se trabalhar com respostas de quem não deveria responder, já é em si uma dor de cabeça considerável, mas existe um caso mais radical ainda, que pode ocorrer quando se deixa de cuidar disso na elaboração das perguntas: o respondente pode simplesmente abandonar o questionário, considerando ser uma perda de tempo ficar respondendo a perguntas que nada têm a ver com ele. Como evitar isso?
Criando perguntas-filtro.
Perguntas-filtro, como o próprio nome sugere, são aquelas que permitem triar quem deve responder a um grupo de perguntas e quem não. No exemplo acima, bastaria incluir no questionário a pergunta “Você cursou o Módulo Abroad?”, acompanhada das opções de resposta ‘Sim’ e ‘Não’. Quem respondesse ‘sim’ continua preenchendo o questionário normalmente; quem respondesse ‘não’ seria orientado a saltar as perguntas referentes ao bloco e a responder uma outra, mais adiante, cujo número lhe será informado. Pronto; solucionado o problema. Simples e eficiente.
Os tipos de perguntas-filtro não se restringem apenas ao dado no exemplo – aquelas que admitem ‘sim’ ou ‘não’ como respostas. A seguir, apresento outros tipos, caso você queira saber um pouco mais do assunto.
· Categoria do respondente:
Exemplo: Indique o seu estado civil.
( ) Solteiro (nunca se casou)
( ) Casado ou em união consensual
( ) Separado, desquitado, divorciado
( ) Viúvo
Dependendo da resposta, o respondente é direcionado a um ou outro ponto do questionário.
· Classificação ordinal:
Exemplo: Classifique os estilos musicais abaixo em ordem de preferência (1 = preferido; 2 = segundo melhor; etc.).
( ) MPB
( ) Jazz
( ) Pagode
( ) Hip hop
( ) Rock
De acordo com o ranking alocado a um dos estilos, por exemplo, o respondente é direcionado para um ou outro bloco de perguntas.
· Escala bipolar / Likert:
Exemplo: Eu teria interesse em receber aconselhamento financeiro de consultores do Banco.
( ) Discordo totalmente
( ) Discordo em grande parte
( ) Não concordo nem discordo
( ) Concordo em grande parte
( ) Concordo totalmente
Caso a resposta fosse uma das duas últimas, ao respondente seria apresentado um conjunto de perguntas sobre o conteúdo, o formato e a periodicidade da consultoria; caso sua resposta fosse uma das três primeiras, o respondente seria orientado a saltar direto para uma pergunta mais à frente ou a dar por encerrada a pesquisa.
· Diferencial semântico:
Exemplo: Como você avalia a postura do representante comercial que o atendeu?
Gentil | ( ) | ( ) | ( ) | ( ) | ( ) | Rude |
Compreendeu o seu problema | ( ) | ( ) | ( ) | ( ) | ( ) | Não compreendeu o seu problema |
Flexível na negociação | ( ) | ( ) | ( ) | ( ) | ( ) | Inflexível na negociação |
Boa aparência pessoal | ( ) | ( ) | ( ) | ( ) | ( ) | Má aparência pessoal |
De acordo com a posição em que a resposta é assinalada, o respondente é conduzido a um conjunto de perguntas mais específicas ou não.